Nascendo no alto da Serra da Mantiqueira em Minas Gerais, no interior do Parque Nacional do Itatiaia, o Rio Grande percorre 1360 km até sua foz no Rio Paranaíba, com o qual se une para formar o Rio Paraná. A Bacia do Rio Grande compreende uma área com mais de 142 mil km², se estendendo desde a divisa com o Rio de Janeiro até o Triângulo Mineiro, abrangendo assim uma significativa diversidade de ambientes. Compreende desde vegetações típicas da Mata Atlântica até o Cerrado.
Em seu percurso o Rio Grande forma inúmeras cachoeiras e corredeiras e, em muitos locais, encontra-se barrado por usinas hidrelétricas (UHEs). Contendo um dos maiores desníveis (a diferença de altitude entre a sua nascente e a foz) entre os rios brasileiros, o Rio Grande apresenta grande capacidade de produção hidrelétrica, o que atraiu grandes investimentos estatais e privados para esse setor na região. Atualmente, encontram-se instaladas 12 UHEs, correspondendo a mais de 60% de toda a energia elétrica gerada em Minas Gerais. Tais represas causam um grande impacto sobre a fauna de peixes. Elas impedem que as espécies migratórias subam o rio para se reproduzirem, além de gerar um controle artificial do ciclo de cheias e vazantes, o que compromete a formação de lagoas marginais, que são berçários de peixes.
O Rio Grande também se destaca por belas paisagens ao longo do seu curso, o que atrai um grande número de turistas. Os lagos das represas abrigam vários condomínios e clubes náuticos, além de hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos, movimentando a economia da região. Confira a seguir as peculiaridades que caracterizam as diferentes regiões abrangidas pelo projeto.
Bocaina de Minas, Liberdade e Bom Jardim de Minas
Os municípios abrangidos pelo projeto Peixes de Água Doce na região da nascente do Rio Grande são Bocaina de Minas, Liberdade e Bom Jardim de Minas. Localizada próximo ao Parque Nacional do Itatiaia, primeiro parque criado no Brasil, essa região é a que se encontra mais preservada dentre as três contempladas pelo projeto. Apesar da presença de atividade pecuária próximo a nascente, ainda se encontram matas ciliares e topos de morro preservados, além de água límpida, principalmente próximo a nascente, que se localiza no município de Bocaina de Minas. Porém, mais à jusante já podemos perceber alguns impactos negativos, como lançamento in natura de esgoto sanitário e desmatamento ciliar promovido pela agricultura e pecuária.
A principal atividade que movimenta a economia da região é a agropecuária, que é praticada em pequenas ou médias propriedades em caráter extensivo e semi-extensivo, e especialmente ligada a indústria de laticínios.
O turismo também movimenta a região em função da beleza cênica do lugar e da existência de inúmeras cachoeiras. Nos arredores da região, se encontra, além do Parque Nacional do Itatiaia, o Parque Estadual da Serra do Papagaio em Bocaina de Minas e os mirantes de Liberdade, de onde se pode avistar o Pico das Agulhas Negras, a Pedra Selada, a Serra do Papagaio e o Planalto de São Thomé das Letras.
Quanto às atividades econômicas que possuem relação direta com o rio, podemos constatar a presença de vários tanques de piscicultura que realizam a criação de trutas. Essa é outra atividade que movimenta a economia da região, apesar do impacto relacionado à introdução de espécies exóticas. Devido ao escape acidental dos tanques, alguns exemplares de truta acabam povoando o rio nesta região. Por não ser nativa dessa bacia, a truta não encontra predadores que controlem a sua população, e além disto, elas se alimentam de peixes nativos.
Itutinga, Ijaci, Ribeirão Vermelho e Lavras
No alto Rio Grande os municípios abrangidos pelo projeto são Itutinga, Ijaci, Ribeirão Vermelho e Lavras. A cidade de Lavras é o grande pólo econômico da região, com uma localização privilegiada entre os três maiores centros econômicos do país (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo). Esta cidade também abriga uma das universidades mais antigas do país, a Universidade Federal de Lavras, fundada em 1908 com o nome de Escola Agrícola de Lavras, com grande contribuição na área ligada à atividade agropecuária, através dos cursos de Agronomia, Zootecnia e Veterinária.
A região também se destaca pela produção de grãos, como pode ser constatado pelos diversos silos de estocagem encontrados nas fazendas. Produz, dentre outros, café, milho, soja, batata, arroz e feijão, além de culturas cítricas.
Nesta região, o Rio Grande possui um volume de água muito maior do que na nascente que, aliado ao relevo acidentado, contribuiu para a implantação da UHEs de Camargos, Itutinga e Funil. De fato, grande parte do curso do rio nessas cidades é representado pelos reservatórios destas usinas. Além dos barramentos representarem uma barreira para migração reprodutiva dos peixes, outro impacto que merece atenção nesses reservatórios é a proliferação de algumas espécies exóticas, como os tucunarés e as tilápias. Os ambientes lênticos são propícios para a reprodução dessas espécies, que podem causar expressivo impacto negativo sobre a fauna de peixes, devido à predação das espécies nativas e/ou à competição por alimento nestes locais. Por outro lado, estas usinas hidrelétricas fornecem grande parte da energia consumida na região e os reservatórios também geram um grande fluxo turístico na região, trazendo emprego e renda para a população.
Também se encontra na região um belo patrimônio histórico e cultural relacionado às antigas ferrovias. Em Ribeirão Vermelho foi tombado, pelo IEPHA em agosto de 2014, o conjunto arquitetônico e paisagístico ferroviário, onde se encontra a maior rotunda da América Latina. Através de escavações aliadas a seca histórica que atingiu o rio em 2014, também foram encontradas embarcações a vapor da época em que o Rio Grande era utilizado como hidrovia.
São José da Barra, São João Batista do Glória e Passos
No médio Rio Grande, o projeto trabalha nos municípios de São José da Barra, São João Batista do Glória e Passos. Nesta região é onde encontramos um dos maiores reservatórios do Brasil, pertencente à UHE de Furnas. Conhecido como “Mar de Minas”, a represa de Furnas gera um grande fluxo de visitantes. Hotéis, pousadas, restaurantes e outras atividades se sustentam devido ao turismo na região, e ainda são encontrados diversos condomínios e loteamentos à beira da represa. Próximo a essa área, também se encontra o Parque Nacional da Serra da Canastra, o que amplia ainda mais a quantidade de atrativos turísticos da região. Esse ano, particularmente, essa atividade foi prejudicada pela seca prolongada, contribuindo para a diminuição dos níveis dos reservatórios e comprometendo a nascente histórica do Rio São Francisco na Serra da Canastra.
Nessa altura do Rio Grande ainda se encontram diversos pescadores profissionais, que dependem da pesca para subsistência. Esses pescadores são organizados através de uma Associação que, recentemente, fundaram sua Colônia de Pescadores em Passos. Isso trouxe comodidade para estes profissionais, já que antes tinham que se registrarem em Alfenas, município que fica a 154 km de distância. Além disso, pelo fato da Colônia ser ligada à Confederação Nacional dos Pescadores e ao Ministério da Pesca, os pescadores da região podem ter acesso a inúmeros direitos sociais, como acesso a aposentadoria e aos demais direitos da previdência social.
Os pescadores profissionais da região tem uma estreita relação com o Rio Grande, os quais dependem dele para sobreviver, tendo esta como sua principal fonte de renda. No entanto, a cada ano que passa a pesca se mostra mais escassa. Os inúmeros impactos sobre o rio, como as usinas hidrelétricas existentes, o assoreamento, o desmatamento de matas ciliares e o despejo de lixo e esgoto causaram uma redução drástica na população de peixes do Rio Grande. Isso é exposto por vários dos pescadores mais antigos da região, que relataram uma quantidade muito maior de peixes no passado. Em função disso, apesar de existir uma expressiva quantidade de pescadores na região, são poucos os que conseguem sobreviver apenas da pesca. A maioria tem que recorrer a “bicos” para complementar a renda familiar.
Outra atividade econômica que podemos destacar na região é a criação de gado leiteiro. Cabe ressaltar que uma das escolas atendidas pelo projeto (Escola Municipal Oilda Valéria Silveira Coelho) situa-se dentro de uma fazenda de gado. Também nota-se abundante produção de cana de açúcar para fornecimento de matéria prima às usinas de produção de álcool.